quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Crianças que roubam.


Roubar episodicamente é frequente nas crianças e ter a atitude certa no momento certo poderá evitar a repetição de uma situação que é desagradável para todos. Em casos mais graves, poderá ser necessária a intervenção de especialistas da área da psicologia.

Escrevi «roubo», mas provavelmente deveria escrever «furto», já que a palavra «roubo» tem uma implicação social e um peso seguramente maior, pelo menos na maioria dos casos, e pode desde logo rotular a criança, o que é muito contraproducente. Se uma criança furta é natural que os pais, professores e outros adultos fiquem preocupados.

A inquietação principal reside no fato de não saberem muitas vezes o que levou a criança a praticar esse acto, qual a sua dimensão, há quanto tempo isso acontece e, designadamente, o seu significado, ou seja, se está apenas a passar por uma situação transitória, dentro dos parâmetros da normalidade do desenvolvimento infantil ou se, pelo contrário, isso é o prenúncio de uma vida de delinquência e de futuro cadastrado.

É normal uma criança de pouca idade apropriar -se de uma coisa pela qual se interessa – isso não pode ser considerado como propriamente roubo, até pelo menos a criança ter idade suficiente para perceber que o objeto de que se apropriou é de outra pessoa e que essa pessoa ficará sem ele – essa noção de sentimento de posse e de transição da posse surge entre os três e os cinco anos de idade. É assim fundamental que os pais, desde cedo, ensinem e expliquem aos filhos o valor da propriedade e da posse, paralelamente ao reconhecimento do valor que representa a consideração pelos outros e pelo que é dos outros.

Apesar de, na maioria dos lares, as crianças aprenderem que roubar é reprovável, podem fazê-lo por diversos motivos:

- porque querem ter o mesmo que um irmão ou uma irmã, perante os quais se sentem desfavorecidos;

- para se fazerem valer perante os colegas, já que roubar pode ser entendido como uma atitude de liderança ou coragem;

- para poderem ter um presente para dar a outros e assim fazerem mais facilmente amigos, tornando-se mais populares;

- mais raramente, ser um verdadeiro caso de cleptomania ou de obtenção deliberada de bens alheios pelos métodos «mais fáceis». Um e outro caso representam desvios da personalidade.


Atitude


Se os pais descobrirem que a criança roubou alguma coisa, é recomendável que lhe expliquem muito concreta e explicitamente que roubar é errado, fazendo-a devolver o objeto do roubo, mas ajudando-a no processo de devolução. Este deverá ser feito pela própria criança e não pelos pais, mas dado que é um processo que envergonha e humilha, poderá ser necessário apoio paterno e a negociação prévia com os lesados para que estes tenham uma certa dose de compreensão.


Os pais devem assegurar -se de que a criança, em nenhuma circunstância, irá beneficiar do produto do roubo, ou seja, «o crime não pode compensar».


É essencial também que a atitude dos intervenientes seja a mesma, quer se trate de um objeto muito valioso ou de uma ninharia. Em primeiro lugar, porque a gravidade é a mesma, já que a intenção é também ela a mesma. Depois, porque a escala de valores é uma coisa muito pessoal e falível, e um pequeno brinquedo de outro menino, por exemplo, pode ser considerado uma ninharia pelo «ladrão», mas o seu desaparecimento pode causar grande angústia e sofrimento no dono e até, por vezes, juízos errados por parte dos pais dessa criança que pensam que ela é que perdeu o objeto e se desculpa a dizer que foi roubado. Muitas vezes, também, o objeto roubado torna -se o mais importante de todos para a criança que o roubou, sendo difícil convencê-la a abdicar dele e devolvê-lo sem ela se sentir, por sua vez «expoliada». Isso acontece sobretudo com os mais pequenos.


Quando o Artur, de quatro anos, estava sentado no banco de trás, na sua cadeira, e ele e os pais rumavam para casa, à vinda do supermercado, o pai reparou, pelo espelho retrovisor, que o Artur se estava comendo um chocolate dos grandes.


«Vai estragar ele com mimos!», disse à mulher.

«O quê?» – respondeu ela, sem entender a acusação.

«Depois se queixa que ele não janta...»

«Mas o que foi? O que é que quer dizer com isso?»

«O chocolate.»

«Qual chocolate?»

O pai viu, pelo tom de voz da mulher, que ela não estava brincando e que não sabia mesmo do que ele estava falando. «Ele está comendo um chocolatão», disse.


A mãe voltou-se para trás e percebeu imediatamente o que tinha acontecido. O Artur tinha furtado um chocolate do supermercado, escondendo-o dentro do blusão.


Depois de lhe perguntarem e ele confessar, depois de muito perguntar, os pais resolveram fazer meia volta e regressar ao supermercado. Aí, apesar da resistência e do beicinho do Artur, foram à caixa onde tinham feito as compras e o pai fez o Artur ir ter com a miça do caixa e devolver o chocolate.«E pode ter a certeza que vou descontar no próximo presente que te vou dar.»


O Artur ficou encabulado, mas entendeu a lição. Mais tarde a mãe explicou-lhe que, caso não tivessem pago, a moça da caixa teria de pagar do bolso dela. E o Artur passou a entender que se as coisas não eram nossas até serem pagas e roubar era inadmissível.


É muito importante não começar logo a predizer um mau futuro ou delinquência para a criança que rouba, tratando–a como se fosse um «inimigo público número um». Deve sobretudo ser sublinhado que quando alguém se apropria de alguma coisa de outra pessoa, essa pessoa ficará sem o objecto e vai sofrer por causa disso. A noção de propriedade pode ser transmitida de várias formas, com exemplos práticos, utilizando utensílios, bonecos, brinquedos e outras coisas do próprio e interrogando a criança sobre o que pensaria se alguém viesse e levasse esses seus valores. Mais do que assustar a criança, dizendo que é um ladrão e que daí a assassino vai um pequeno passo, será melhor colocá-la perante dilemas morais e levá-la a assumir a responsabilidade dos atos (principalmente demonstrar -lhe que tudo na vida tem consequências).


A criança é que deverá devolver o objeto, pedir desculpa e entender todas as consequências do seu acto. Se, apesar de todas estas medidas, os episódios de roubo continuarem, então temos de pensar se não estaremos perante um caso mais complicado, com um certo grau de disfunção emocional. As crianças que roubam têm dificuldades em formar amizades e relações, centrando-se mais na desconfiança. Em vez de se sentirem culpadas, começam a culpar os outros porque consideram que os outros é que não lhes deram o que lhes seria devido e vitimizam-se com frequência, o que é uma forma de não assumir as responsabilidades, com um grau de narcisismo indesejável.


Os casos de roubo deverão ser participados pelos pais ao médico assistente, discutidas com este as razões hipotéticas para o facto, sem ser obviamente na presença da criança, e equacionada a necessária intervenção psicológica. Depois de resolvido o assunto, será boa política não estar sempre a trazê-lo à baila, pois assumir-se-á que a lição foi aprendida e contar a história repetidamente e (pior) em público pode ser contraproducente e, diria mesmo, desleal.


Roubar episodicamente é frequente. Ter a atitude certa no momento certo poderá evitar a repetição de uma situação que é desagradável para todos. Em casos mais graves, poderão ser necessárias medidas mais enérgicas, designadamente a intervenção de especialistas da área da psicologia. É importante, também, que os pais não centrem a situação neles próprios, ou seja que não vejam como o maior problema a vergonha de passarem por pais de um «ladrão», esquecendo -se do que a criança precisa para se vitimizarem.


Querer tudo


Quantas vezes já aconteceu, por exemplo, numa loja ou supermercado, o seu filho agarrar-se a um brinquedo ou qualquer outro objeto, e não o querer largar. Além dos olhares incômodos das outras pessoas, e do embaraço perante os empregados, o tempo também é sempre contado e o que fazer numa situação destas é duvidoso. Ralhar? Não ralhar? Ceder? Não ceder? Ignorar? Dar atenção e tentar explicar que a mãe não pode levar tudo o que ele quer? «Eu quero. Eu quero. Mas eu quero!» Geralmente estas cenas acabam com os pais a largarem tudo e a saírem, recriminando a criança e com o dia estragado.


Mas há que pensar em alguns aspectos: não dizemos nós que «é Natal todos os dias»? Não aparecem constantemente, na hora «das crianças», anúncios televisivos incitando ao consumo? Não são levados, às vezes, em passeio aos centros comerciais? (são «centros de comércio», não esqueçamos) Não digo que os nossos filhos tomem isso à letra, mas que desejam tudo e querem tudo o que desejam é um fato.


Quando uma criança começa a «querer», quer simplesmente porque quer, ou seja, se lhe dermos a coisa que ele deseja, larga-a e quer outra, e outra, e outra. E se todos os seus desejos forem consubstanciados, sem limites, aprenderá apenas a ser um eterno insatisfeito – sempre que estiver num local, numa situação, numa viagem, desejará sempre o que não tem e sem ter o gozo e o prazer dos momentos que v
ive.

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